Beats & Bits:

minha jornada pela música e pelos videogames

Desde a infância, sempre fui apaixonado por videogames [1] – que também chamávamos apenas de games, para simplificar. Um amigo de escola havia ganhado dos pais um console [2] Magnavox Odyssey 2 [3] (lançado em 1978 pela fusão entre a Magnavox e a Philips como evolução do Magnavox Odyssey, considerado o primeiro console doméstico comercial), [4] e ele sempre me convidava para ir à sua casa para jogarmos. Eu chegava a sonhar com aqueles quadradinhos coloridos maravilhosos que se mexiam na tela. E ainda por cima faziam barulhinhos incríveis! Aqueles sons ficavam impregnados em minha mente. Como o tempo é implacável, lembro-me de poucos games do console, como o bangue-bangue Gunfighter (1979), o pega-pega entre gato e rato The Mousing Cat (1982), os bonequinhos saltitantes do P.T. Barnum’s Acrobats! (1982) e a interminável batalha de Atlantis (1982).

Aos meus 7 anos de idade, em 1985, meu pai comprou uma televisão de 14 polegadas, um videocassete VHS e um console Atari 2600 [5], que havia sido lançado no Brasil dois anos antes. Até hoje me lembro da minha euforia ao ver o técnico da loja instalando os aparelhos em nossa sala, em uma antiga casa no subúrbio de Bauru, no interior do estado de São Paulo, em um dos bairros mais antigos da cidade. Eu sequer cogitava pedir ao meu pai que comprasse um videogame, já que eram caros e nossa família nem de longe era abastada. Mas para a minha sorte, ele era amigo do gerente de uma loja de eletrônicos, que ofereceu um plano de consórcio para que meu pai tivesse condições de realizar a compra. A partir de então, foram muitas as tardes de games em minha casa, tanto com meu pai quanto, principalmente, com os amigos da rua. E a diversão foi se intensificando, já que o Atari era, disparado, a primeira opção de pedido de presente das crianças da época. Como meus amigos também começaram a ganhar esse mesmo console dos pais, os empréstimos de cartuchos [6] entre nós passaram a ser constantes.

Logo descobrimos que existia uma locadora de cartuchos de Atari e Odyssey em um bairro mais elitizado da cidade. As visitas eram semanais, já que o aluguel era muito mais acessível do que a compra dos cartuchos. Nunca me esqueço da paciência que os donos da locadora, pai e filho (já adulto), tinham conosco. Passávamos horas experimentando diversos games até decidir qual levar para casa (ou quais, dependendo do quanto havíamos conseguido juntar de dinheiro durante a semana, geralmente guardando o dinheiro do lanche na escola). Nessa época, também eram comuns os minigames, jogos eletrônicos portáteis que muitos garotos da época carregavam pra lá e pra cá – pelo menos por um certo período, já que esses minigames eram demasiadamente simples e acabavam se tornando monótonos, “enjoavam”.

Meu pai nunca mais jogou videogames após o Atari. Creio que ele passou a achar os games dos consoles posteriores muito complicados. Ele é daqueles que mal conseguia mexer num videocassete ou, mais tarde, aparelho de DVD. E talvez por conta dessa perda de interesse em videogames, meu pai nunca mais me deu um console de presente. Só fui ter um console novamente décadas depois, quando eu mesmo, já adulto, comprei um PlayStation 3 (PS3), por volta de 2013. Mas nem por isso deixei de jogar videogames e acompanhar sua evolução nesse meio tempo entre o Atari e o PS3. E com bastante proximidade. Nos anos seguintes, alguns amigos da vizinhança começaram a ganhar consoles mais modernos, como o Nintendo Entertainment System (NES, o famoso “Nintendinho”, vendido no Brasil como produto importado a partir de 1985), o Sega Master System (lançado em 1989 no Brasil), o Mega Drive (Sega Genesis, lançado no Brasil em 1990) e o meu favorito de todos: o Super Nintendo Entertainment System, mais conhecido como Super NES (chegou ao Brasil em 1993).

Em um período de 10 anos, de 1985 a 1995, os videogames foram muito presentes em minha vida, fosse em sessões de duplas ou trios de amigos do tipo “uma vida ou uma fase” (quem morresse no game ou passasse de fase deveria passar o controle para o próximo) com games famosos, tais como Alex Kid, Mario Bros. ou Sonic; nas tardes de disputas de Street Fighter e Mortal Kombat com um grupo de amigos; em noites regadas a chá mate e NBA Jam, International Superstar Soccer, Rock’n’Roll Racing, Top Gear, Skitchin', Pilot Wings, Bomberman; ou varando madrugadas tentando decifrar pistas, descobrir passagens e encontrar personagens ou itens nos memoráveis The Legend of Zelda: A Link to The Past, Flashback e Out of this World, que me levaram à outra paixão: os RPGs (role-playing games) [7] de mesa.

Em meados de 1988, um tio que morava em Osasco montou um computador com peças trazidas do Paraguai, que ele encomendou de alguém, o meio mais comum – talvez um dos únicos – de se montar um PC (personal computer, computador pessoal) no Brasil à época. Foi com ele que tive contato com os primeiros games para computador, até então bem rudimentares. Asteroids (ou alguma réplica), Gunship e Flight Simulator são alguns dos (poucos) que eu me recordo.

No ano seguinte, em 1989, em 25 de novembro, foi inaugurado o primeiro shopping center de Bauru, e nesse dia fiquei boquiaberto ao me deparar com um espaço que eu iria frequentar assiduamente por muitos finais de semana a partir dali: a área de jogos eletrônicos do shopping, com dezenas de arcades [8] e fliperamas [9] (ou pinball, como são conhecidos nos EUA). Meus arcades preferidos eram The Simpsons, Final Fight, Ghosts ‘n Goblins, After Burner II (com um incrível simulador de cockpit que se movimentava de acordo com os movimentos do caça) e Karate Champ, que não possuía botões, apenas dois joysticks [10], cujas combinações de posições resultavam em diferentes golpes de karatê.

No início de março de 1993, no auge dos consoles Mega Drive e Super NES, foi fundada a Bauru Games [11], loja de propriedade de um simpático senhor de descendência japonesa conhecido pelo seu sobrenome, Minoru. A mãe dos meus vizinhos e amigos que moravam em frente à minha casa era “viciada” (como dizíamos na época) em games, e toda sexta-feira fazia parte do nosso ritual irmos à loja – meus amigos, a mãe deles e eu – para trocar os cartuchos que estavam parados e pegar novos, e assim passávamos a noite, às vezes a madruga e até o fim de semana inteiro, jogando os novos títulos. Um dos períodos mais nostálgicos e divertidos da minha adolescência, não só por conta dos muitos games maravilhosos que tínhamos à disposição na primeira metade da década de 1990, mas também pelas amizades inesquecíveis, empolgantes descobertas musicais (eu havia entrado de cabeça no universo do heavy metal e do punk rock e estava fascinado – creio que ainda estou), as artes marciais que praticávamos (nessa época, pratiquei kendô, aikidô e um pouco de ninjutsu), as sessões de RPG e jogos de tabuleiro, as primeiras aulas de informática (digitação, DOS, Lotus 1-2-3 e depois o Windows 95) e as tardes de sábado e domingo andando de skate pela cidade. Praticamente não havia um único dia da minha vida nessa época que não fosse empolgante e cheio de novas experiências. Até hoje, quando vou a Bauru para visitar meus pais e amigos, sinto uma agradável nostalgia por conta de uma pré-adolescência e adolescência que foram aproveitadas a cada minuto, a ponto de ecoarem até hoje em minha vida, já que muitas paixões dessa fase ainda carrego comigo, mesmo após cerca de 30 anos.

Entre 1996 e 1998, tive contato com o Sony PlayStation e com o Nintendo 64 que meus primos ganharam de seus pais, meus tios. Lembro-me de ter ficado impressionado com os gráficos 3D do Tomb Raider e do The Legend of Zelda: Ocarina of Time, e mais tarde, com o The Legend of Zelda: Majora’s Mask. Mais ou menos na mesma época, a mãe de um amigo e de uma amiga decidiu abrir uma locadora de games na sala de sua casa, onde também era possível jogar pagando por hora. Como ela trabalhava fora, na maior parte do tempo quem atendia na locadora eram seus filhos, e assim eu podia jogar à vontade sem gastar um tostão, já que éramos amigos ali da vizinhança e andávamos juntos para cima e para baixo – inclusive eu treinava aikidô com esse meu amigo às segundas, quartas e sextas à noite. Graças à essa maravilhosa locadora, que ficava a apenas duas quadras e meia de minha casa, pude conhecer uma infinidade de games dos consoles da época, da quarta geração (Sega CD e Neo-Geo CD), quinta geração (Atari Jaguar, Sega Saturn, PlayStation e N64) e da sexta geração (Dreamcast, PlayStation 2, Microsoft Xbox e Nintendo Game Cube). Com um acesso tão diversificado a vários consoles, privilégio que poucos garotos tinham, pude ter contato com uma ampla gama de mecânicas de jogos e de estéticas gráficas e sonoras, que estavam evoluindo a olhos vistos com as novas tecnologias, e com isso, o universo dos games ia me maravilhando cada vez mais e mais diante das possibilidades narrativas, interativas, lúdicas, visuais e acústicas que se descortinavam com os constantes avanços da época na área de games e informática.

Após memoráveis anos, a locadora fechou, mas meus amigos ficaram com o PlayStation e o PlayStation 2, e passávamos horas e horas jogando Tony Hawk’s Pro Skater em suas diversas versões. Além disso, por volta de 2001, esse meu amigo começou a trabalhar em uma casa de fliperamas localizada em um supermercado da cidade, e sempre dávamos uma passada lá antes ou depois da faculdade (eu cursava Jornalismo na época, mas infelizmente, por questões financeiras, tive que trancar a graduação após dois anos cursados) para jogar Street Fighter Alpha e The King of Fighters com as fichas que ganhávamos do meu amigo. E como se isso não bastasse, na mesma época, uma amiga começou a trabalhar em uma famosa casa de fliperamas no centro da cidade, a Rex, e se tornou tradição passarmos lá no início das noites de sexta-feira e de sábado para jogarmos um pouco e bebermos algumas cervejas – tudo de graça, como sempre, já que ela dava um jeito de engambelar a planilha diária de vendas – antes de sairmos para a “balada”. A Rex virou ponto de encontro para os amigos se reunirem antes de irmos para algum bar, show ou reunião na casa de alguém.

E assim foi o início da minha jornada no mundo dos videogames. Meus games preferidos? Pergunta difícil. Mas impossível não virem à minha cabeça os maravilhosos Super Mario World (1990) e The Legend of Zelda: A Link to the Past (1991), ambos muito bonitos, em arte pixelizada (pixel art), com ótima trilha sonora, lançados para o Super NES, dirigidos por Takashi Tezuka e produzidos por Shigeru Miyamoto. O primeiro tinha uma jogabilidade incrível, grande variedade de movimentos e um total de nada menos que 96 fases (com design de níveis primoroso), muitas delas secretas, e fazia parte da diversão encontrá-las; e o segundo trazia um mapa enorme para a época, com missões divertidas e de dificuldade equilibrada e uma narrativa que era talvez o maior charme do game. Vira e mexe volto a jogá-los e me divirto tanto quanto há 30 anos. E dentre os games mais recentes que mais me empolgaram foram: Ico (2001), toda a série InFamous (2009, 2011, 2014), Skate 3 (2010), Life Is Strange (2015), Uncharted 4: A Thief’s End (2016), Mafia III (2016) e Marvel’s Spider Man (2018), além dos indies [12] To the Moon (2011, bastante comovente), Journey (2012), Fez (2012), Papo & Yo (2012), Hotline Miami (2012, com uma trilha sonora incrível!), Guacamelee (2013), Olliolli (2014), BroForce (2014, um dos games mais divertidos de todos os tempos!), Graveyard Keeper (2018, dei altas risadas com a história maluca), Crossing Souls (2018), Shakedown: Hawaii (2019), Blasphemous (2019) e Huntdown (2020).

Toda essa nostalgia somada à minha curiosidade e às minhas paixões por narrativas e música me levaram a buscar entender os games por outro viés: o do projeto e desenvolvimento. Não é de hoje que estou envolvido com a fascinante e complexa área de design e desenvolvimento de games. A princípio, resolvi me aproximar e explorar esse mundo de assets (qualquer elemento gráfico, sonoro, textual ou código que compõe um game) por conta da minha habilidade com textos.

Desde minha infância, sou apaixonado por leitura e escrita. No início da adolescência, conheci os fanzines [13]. Fiquei entusiasmado com aquele monte de informações que não se encontrava em nenhum outro lugar (na época, não existia a internet, pelo menos não no Brasil, e não da forma como a conhecemos hoje), e assim resolvi editar meu próprio zine [14], por conta da minha já mencionada aproximação com o heavy metal (a música sempre foi onipresente em minha vida, tanto no âmbito familiar – já que minha mãe, irmã e avô ouviam muita música – quanto em meus círculos sociais, pois minhas amizades costumavam se formar por conta da aproximação em relação à música). A partir daí, meu envolvimento com a redação só aumentou. Diante dos novos entusiasmos que surgiam em minha vida (gêneros musicais, visões sociopolíticas, contracultura, literatura, quadrinhos, jogos), editei outros zines, criei meus próprios blogs, cursei graduação em Letras, passei a atuar profissionalmente como redator em agências de publicidade, escrevi para muitos sites e revistas, fiz pós-graduação em criação literária, cheguei a ganhar alguns pequenos prêmios literários e até ministrei cursos de escrita de contos e de roteiro. E foi justamente o interesse por roteiros que me levou ao desenvolvimento de games.

Desde minha infância, sou apaixonado por leitura e escrita. No início da adolescência, conheci os fanzines [13]. Fiquei entusiasmado com aquele monte de informações que não se encontrava em nenhum outro lugar (na época, não existia a internet, pelo menos não no Brasil, e não da forma como a conhecemos hoje), e assim resolvi editar meu próprio zine [14], o Psicose Zine, por conta da minha já mencionada aproximação com o metal extremo (a música sempre foi onipresente em minha vida, tanto no âmbito familiar – já que minha mãe, irmã e avô ouviam muita música – quanto em meus círculos sociais, pois minhas amizades costumavam se formar por conta da aproximação em relação à música). A partir daí, meu envolvimento com a redação só aumentou. Diante dos novos entusiasmos que surgiam em minha vida (gêneros musicais, visões sociopolíticas, contracultura, literatura, quadrinhos, jogos), editei outros zines (o Yell, sobre música e opinião, e o Assougue, sobre terror), criei meus próprios blogs (foram vários, geralmente sobre política, literatura, histórias em quadrinhos e música. Atualmente mantenho o LP² Blog, com atualização entre semanal e quinzenal, com textos curtos sobre sobre música, games, cinema, livros, política, sociedade e o que mais vier à mente), cursei graduação em Letras, passei a atuar profissionalmente como redator em agências de publicidade, escrevi para muitos sites e revistas, fiz pós-graduação em criação literária, cheguei a ganhar alguns pequenos prêmios literários e até ministrei cursos de escrita de contos e de roteiro. E foi justamente o interesse por roteiros que me levou ao desenvolvimento de games.

Meu interesse por games surgiu mais ou menos na mesma época em que adquiri gosto pela leitura. Eu sempre estava rodeado de gibis e livros da Coleção Vagalume quando meu pai apareceu em casa com um Atari, e de lá para cá, passei por praticamente todos os consoles, conforme narrei acima.

A soma disso tudo despertou meu interesse pelo desenvolvimento de games depois de uns 25 anos. A princípio, por conta da minha intimidade com leitura, escrita, narrativa, storytelling, eu queria ser roteirista de games. Com o importante apoio da minha esposa – que na época era minha noiva –, fiz cursos e estudei o assunto. Depois me aprofundei em design de jogos – e não apenas jogos eletrônicos, já que eu estava bastante envolvido com jogos de tabuleiro (board games), jogos de cartas (card games), jogos de dados (dice games) e jogos de miniaturas (wargames) [15]. Por consequência, acabei me deparando com a área de programação, e me empolguei. Era como brincar de deus, com a possibilidade de criar mundos digitais com a ponta dos dedos. Lá fui eu estudar programação. Também estudei design de níveis, um pouco de pixel art, modelagem 3D, Twine, Construct 2 e 3, RPG Maker, Unity… Infelizmente, e por diversas razões que não cabem aqui, a maior parte dos meus games não passou de protótipo. Mas toda essa experiência foi válida. E muito.

Num dado momento, deparei-me com uma área do desenvolvimento de games que nunca havia chamado minha atenção antes: áudio para games – o que é curioso, já que, junto com a leitura/escrita e os videogames, sempre fui praticamente um obcecado por música. Acho que daria para contar nos dedos os dias em que não ouvi música durante a minha vida. E ainda assim, levei bastante tempo para começar a estudar e tocar um instrumento – a “desculpa” que me dou até hoje foi a falta de dinheiro para comprar uma guitarra e fazer aulas, mas felizmente consegui sanar essa falha. Fato é que, foi por conta do rock – de longe o gênero mais popular da minha juventude, talvez até hoje, e provavelmente o gênero musical mais importante do século XX, por conta de suas características estéticas e socioculturais (RENTFROW; GOLDBERG; LEVITIN, 2011) – que eu conheci os fanzines. Foi por conta dele também que conheci muitos escritores dos quais virei fã [16]. O rock me levou a muitas amizades que perduram há décadas. E também por causa dele que conheci inúmeros gêneros musicais que tornam a minha vida muito melhor: blues, jazz, soul, funk, ska, reggae, rap, música eletrônica… Está tudo interligado. Uma coisa foi levando à outra… Meu gosto por música (provavelmente advindo de minha mãe e que invariavelmente estou passando à minha filha, que sempre toca/brinca [verbos que, curiosamente, têm o mesmo nome em inglês: to play] com seus instrumentos) se mesclou ao meu interesse por leitura (quadrinhos, literatura e não ficção), e a fértil mistura me fez ver os games sob uma ótica diferenciada, com atenção especial dedicada às trilhas sonoras e narrativas, e não só aos gráficos e à jogabilidade, como é de praxe com a maioria das pessoas.

Quando o áudio para games foi abordado em algum dos muitos cursos de design e desenvolvimento de games que fiz, eu já tocava um pouco de guitarra – finalmente, aos 34 anos de idade, em 2012, decidi que não poderia deixar a vida passar sem aprender a tocar um instrumento e compor música, e assim me matriculei nos cursos de violão popular, teoria musical e canto da Emesp Tom Jobim, em São Paulo, minha cidade natal, onde voltei a morar de 2008 a 2016. A princípio, como eu ainda não sabia tocar violão e guitarra muito bem (e até hoje sinto que não sei), não dei a devida atenção para aquela área de áudio para games, já que eu estava fascinado pela programação e não me sentia apto a compor músicas. Porém, eu nunca tive muito interesse por matemática – apesar de sempre ter sido apaixonado por informática –, e aos poucos passei a compreender que a programação talvez não fosse a minha “aptidão” e que eu deveria começar a cogitar novas possibilidades. E ao analisar com mais profundidade a criação de músicas e efeitos sonoros para games, aconteceu uma espécie de “eureca”, provavelmente porque o áudio interativo já tinha forte relação com minha predileção estética.

Consultei minha biblioteca sobre desenvolvimento de games – que a essa altura já tinha diversos títulos por conta do meu consolidado interesse em design e desenvolvimento de games – e li tudo o que havia relacionado a áudio. O interesse só aumentou. Afinal, como deixam bem claro os designers e estudiosos de games, o áudio é uma parte fundamental dessa mídia audiovisual, não só para a estética, mas como forma de comunicação, na criação de experiências únicas para a tão almejada imersão [17].

Depois das leituras, fiz cursos específicos sobre áudio para games e estudei bastante, não somente o uso de uma DAW [18], mas também os fundamentos do áudio no design de games, teoria musical, composição, produção musical (mixagem e masterização), design de som (ou sound design: criação de efeitos sonoros e ambiências), equipamentos de home studio, foley, fluxo de trabalho, plugins, middlewares para programação de áudio etc. E o aprendizado não cessa jamais. Sempre surge a necessidade de aprender algo novo sobre tecnologia computacional, design e desenvolvimento de games, composição musical, técnicas de guitarra e produção musical. Atualmente, por exemplo, estou estudando neurociência da música para buscar compreender melhor os processos cognitivos relacionados à comunicação sonora nos games e também como a música modula e evoca emoções, facilita sincronização de movimentos e estados de ânimo e promove coesão social e sentido de identidade – o que, neste último caso, relaciona-se com outra paixão minha: os gêneros musicais.

Após dar meus primeiros passos com a área de áudio para games e conseguir montar um portfólio, resolvi ir além. Foi quando decidi cursar uma pós-graduação para pesquisar a fundo o assunto. Após ponderar bastante, optei pelo Mestrado em Música do Instituto de Artes da Unicamp. E após conclui-lo com a defesa da minha dissertação, intitulada Um estudo interdisciplinar sobre a comunicação sonora em games narrativos, atualmente estou cursando Doutorado em Música na mesma instituição, desta vez com um projeto mais voltado à guitarra e ao rock, cujo título é A construção de sentido nos subgêneros do rock a partir da sonoridade da guitarra. Participei de congressos, publiquei um monte de artigos em periódicos e anais acadêmicos, faço parte de grupos de pesquisa, vivo fazendo novos cursos, as leituras são constantes, bem como a produção (tanto acadêmica quanto autoral), atualmente sou professor universitário e o aprendizado nunca cessa. Tudo sempre envolvendo música, games, cinema/audiovisual e narrativa.

Hoje, tenho certeza de que fiz as escolhas certas.

Notas:

[1] Tomarei aqui a palavra “jogo” em sentido amplo: jogo mecânico/analógico, jogo eletrônico/digital, jogo esportivo, jogo de azar etc. Já a palavra “game” será utilizada como sinônimo de “jogo eletrônico”, que pode ser subdividido em “videogame” (game videocêntrico, ou seja, cujas informações são fornecidas majoritariamente de forma visual, por meio de uma tela) e “audiogame” (cujas informações são fornecidas prioritária ou exclusivamente por meio de sons).

[2] “A console game is a type of interactive multimedia software that uses a video game console to provide an interactive multimedia experience via a television of other display device. The game console generally consists of a handheld control device (although some use cameras to monitor user movements) and a computer that runs the game’s software. A console game is also known as video game.” (CONSOLE…, 2021).

[3] Ver: <http://experienciaodyssey.com.br/os-40-anos-do-fantastico-mundo-fantastico-do-odyssey/>.

[4] Ver: <http://web.archive.org/web/20181004213143/https://www.pcworld.com/article/256101/inside_the_magnavox_odyssey_the_first_video_game_console.html> e <http://www.pong-story.com/odyssey.htm>.

[5] Ver: <http://www.atari2600.com.br/Atari/Sobre/0TJl/Sobre_O_Atari_2600>.

[6] Antes dos CDs e DVDs, a principal mídia utilizada para se jogar videogames em consoles eram os cartuchos. Também conhecidos popularmente como “fitas”, os cartuchos são mídias utilizadas para armazenar os dados (imagens, vídeos, textos, sons, códigos de programação etc.) de um videogame para serem lidos pelo processador do console, que executa o software do game.

[7] “RPGs (roleplaying games) de mesa são jogos analógicos que envolvem interpretação de papéis e sistemas de regras, geralmente mediados por dados. […] O RPG é um gênero de jogo onde os jogadores assumem o papel de personagens criados por eles mesmos dentro de uma narrativa colaborativa.” (PEIXOTO FILHO; ALBUQUERQUE, 2018, p. 1574).

[8] “Um arcade é uma máquina normalmente encontrada em locais públicos como shoppings, restaurantes e casas de fliperamas e geralmente é operado por moedas. Os arcade são geralmente videogames, máquinas de pinball ou jogos eletromecânicos. O final da década de 1970 até a década de 1980 foi a era de ouro dos arcades. Eles desfrutaram de alguma popularidade relativa, mesmo durante o início de 1990. A popularidade dessa plataforma diminuiu lentamente, no entanto, à medida que os games de console e PC ganharam destaque.” (An arcade game is a game machine typically found in public places like malls, restaurants and amusement arcades, and is usually coin operated. Arcade games are usually video games, pinball machines or electromechanical games. The late 1970s through the 1980s was the golden age of the arcade games. They enjoyed some relative popularity even during the early 1990s. The popularity of this platform slowly declined, however, as console and PC games came into prominence.) (ARCADE…, 2021, n.p.).

[9] “1. Rubrica: ludologia. Jogo que consiste em fazer pontos cada vez que uma bilha aciona mecanismos elétricos no interior de uma prancha inclinada. 2. Derivação: por metonímia. Casa comercial de recreação que oferece jogos elétricos e eletrônicos operados por ficha ou moeda.” (HOUAISS, 2009, verbete “fliperama”).

[10] “A joystick is an input device that can be used for controlling the movement of the cursor or a pointer in a computer device. The pointer/cursor movement is controlled by maneuvering a lever on the joystick. The input device is mostly used for gaming applications and, sometimes, in graphics applications. A joystick also can be helpful as an input device for people with movement disabilities.” (JOYSTICK, 2021).

[11] Ver: <http://apertaox.com/2018/03/26/entrevista-com-minoru-e-victor-da-bauru-games/>.

[12] Games independentes (indie) podem ser considerados com o oposto de games mainstream, no sentido que “[…] o mainstream é aquele cujo objetivo de popularidade e lucro sobrepõe a criatividade, a autoexpressão e a arte. Portanto a atitude é que define independência, não somente uma métrica de faturamento e popularidade. […] os ‘indies’ não se caracterizam por sua natureza underground, mas por uma questão de posicionamento conceitual e ideológico, onde a produção cultural e criativa encontra sua centralidade.” (ZAMBON; CHAGAS, 2018, p. 1). Ou seja, os indies são games com propostas próprias e ampla liberdade criativa, que não seguem os padrões corporativos da indústria e dos grandes estúdios, voltados à popularidade e ao lucro, com grandes equipes e investimentos milionários. Os games indie costumam ter visual gráfico elaborado em estilo 2D retrô ou não convencional, são desenvolvidos por equipes pequenas, trazem mecânicas experimentais e muitas vezes temas afrontosos ou intimistas (PRIETO; NESTERIUK, 2021; PEREIRA, 2018). Os indies podem ser subdivididos entre profissionalizados, que adotam práticas profissionalizadas de trabalho, assemelhando-se ao restante da indústria; e não profissionalizados, ligados a práticas amadoras e hobbistas (PEREIRA, 2018).

[13] Fanzines (do inglês fan + magazine) são publicações impressas artesanais (geralmente feitas com fotocópia ou offset preto e branco) e independentes (não profissionais, não oficiais e não ligadas a grandes empresas), produzidas por entusiastas de um assunto particular (música, quadrinhos, literatura, ficção científica, movimentos sociais e culturais, hobbies etc.) e distribuídas (geralmente pelo correio ou de mão em mão, em eventos, shows, portas de teatro e bibliotecas ou em lojas especializadas no assunto abordado) entre pessoas que compartilham do mesmo interesse.

[14] Ver: <http://esquadrinhandohq.blogspot.com/2011/01/os-fanzines-na-minha-vida-parte-1.html> e <http://esquadrinhandohq.blogspot.com/2011/01/fanzines-voz-do-underground-parte-2.html>.

[15] Ver: <https://unicampc4.blogspot.com/2022/09/jogos-mecanicos-modernos-1.html>, <https://unicampc4.blogspot.com/2022/10/jogos-mecanicos-modernos-2.html> e <https://unicampc4.blogspot.com/2022/08/jogos-mecanicos-uma-proposta-taxonomica.html>.

[16] Diversos jornalistas culturais que escreviam ficção e não ficção sobre o universo musical, toda a geração beat (ligada ao jazz bebop, o “rock” da época, no sentido da rebeldia que o envolvia), Neil Gaiman, Alan Moore, Nick Hornby, Charles Bukowski (que possuía um espírito selvagem e punk) e muitos autores que eram mencionados em entrevistas por músicos das bandas que eu gostava ou nas letras das músicas, como Dostoievski, Tolstói, Gorki, Gogol, Goethe, Hesse, Byron, Shelley, Keats, Baudelaire, Rimbaud, Stoker, Mary Shelley, Stevenson, T. H. White, Tolkien, Thoreau, Camões, Alcoforado, Camilo Castelo Branco, Saramago, Álvares de Azevedo, Casimiro de Abreu, Augusto dos Anjos, Manuel Bandeira, entre muitos outros.

[17] “A experiência de ser transportado para um lugar primorosamente simulado é prazerosa em si mesma, independentemente do conteúdo da fantasia. Referimo-nos a essa experiência como imersão. ‘Imersão’ é um termo metafórico derivado da experiência física de estar submerso na água. Buscamos de uma experiência psicologicamente imersiva a mesma impressão que obtemos num mergulho no oceano ou numa piscina: a sensação de estarmos envolvidos por uma realidade completamente estranha, tão diferente quanto a água e o ar, que se apodera de toda a nossa atenção, de todo o nosso sistema sensorial. Gostamos de sair de nosso mundo familiar, do sentido de vigilância que advém de estarmos nesse lugar novo, e do deleite que é aprendermos a nos movimentar dentro dele.” (MURRAY, 2003, p. 102).

[18] Digital Audio Workstation (DAW), “estação de trabalho de áudio digital”, é um software sequenciador para gravar, editar e reproduzir áudio digital.

REFERÊNCIAS

ARCADE game. In: TECHOPEDIA, Hardware. [S.l.]: Janalta Interactive, 2018. Disponível em: <http://www.techopedia.com/definition/1903/arcade-game>. Acesso em: 8 fev. 2021.

CONSOLE game. In: TECHOPEDIA. [S.l.]: Janalta Interactive, 2021. Disponível em: <http://www.techopedia.com/definition/756/console-game>. Acesso em: 8 fev. 2021.

HOUAISS, Antonio (Instituto). Houaiss Eletrônico. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009. Versão 3.0. CD-ROM.

JOYSTICK. In: TECHOPEDIA. [S.l.]: Janalta Interactive, 2021. Disponível em: <http://www.techopedia.com/definition/31108/joystick>. Acesso em: 8 fev. 2021.

MURRAY, Janet. Hamlet no holodeck: o futuro da narrativa no ciberespaço. São Paulo: Itaú Cultural; Editora Unesp, 2003.

PEIXOTO FILHO, Cláudio Baixo; ALBUQUERQUE, Rafael Marques de. Uma análise da história dos RPGs (roleplaying games) de mesa brasileiros. In: SBGAMES, 17., 2018, Foz do Iguaçu. Anais eletrônicos…: Industry Track – Short Papers. Porto Alegre: Sociedade Brasileira de Computação, 2018, p. 1574-1577. Disponível em: <http://www.sbgames.org/sbgames2018/files/papers/IndustriaShort/188137.pdf>. Acesso em: 3 maio 2022.

PEREIRA, Leônidas Soares. A independência dos jogos: um estudo sobre a percepção do jogador brasileiro. In: SBGAMES, 17., out./nov. 2018, Foz do Iguaçu. Anais eletrônicos…: Culture Track – Short Papers. Porto Alegre: Sociedade Brasileira de Computação, 2018. Disponível em: <http://www.sbgames.org/sbgames2018/files/papers/CulturaShort/186779.pdf>. Acesso em: 2 dez. 2022.

PRIETO, Daniel Teixeira; NESTERIUK, Sérgio. Indie Games BR: estado da arte das pesquisas sobre jogos independentes no Brasil. In: SBGAMES, 20., out. 2021, Gramado. Anais eletrônicos…: Industry Track – Full Papers. Porto Alegre: Sociedade Brasileira de Computação, 2021. Disponível em: <http://www.sbgames.org/proceedings2021/IndustriaFull/218217.pdf>. Acesso em: 2 dez. 2022.

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